Gostaria de ser como os poetas...
São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.
Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.
Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.
Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?
Eugénio de Andrade
A leitura foi o meu primeiro hobbie.
Assim que aprendi a ler, fiquei fascinada pelo mundo que, através da leitura, ante mim se abria.
Adorava que me oferecessem livros e sempre que me davam dinheiro ia logo gastá-lo em livros.
Muitos foram os dias de férias em que fiquei em casa embrenhada na leitura.
Com o passar dos anos ao olhar para as prateleiras repletas com os meus livros, sentia-me rica.
A escrita foi das mais revolucionárias descobertas da Humanidade e os livros são dos mais importantes legados que uma geração pode deixar para as que se lhe seguem.
É por isso que se considera que a “História Começa na Suméria”, o povo cujos testemunhos escritos são, até hoje, os mais antigos de que há conhecimento; na verdade os sumérios legaram-nos a escrita cuneiforme, e através dela a possibilidade de melhor conhecermos e entendermos a sua civilização.
E se a escrita foi, com toda a certeza, criada por necessidade depressa terá sido aproveitada para dar voz às emoções, às aspirações e aos sonhos mais profundos de muitos escritores e poetas...
Para mim a leitura sempre foi uma forma de descontracção e, gradualmente, de enriquecimento.
Sempre li mais prosa do que poesia, apesar de haver alguns poetas por quem tenho grande admiração - Sophia de Mello Breyner Andresen e Eugénio de Andrade. A sua poesia fascina-me e faz-me sofrer... Que privilégio saber dizer tanto com, por vezes, tão poucas palavras.
O reino da palavra é um reino encantado e conseguir, através da poesia ou da prosa poética, comunicar tudo o que sentimos, o que pensamos, o que apreendemos da realidade é algo especial e não privilégio de todos...
Hoje em dia existem imensas pessoas a escrever prosa e poesia mas os verdadeiros escritores e poetas são uma minoria!
Nem todos conseguem com a simplicidade Eugénio de Andrade dizer algo de tão profundo como “Com Palavras Amo” ou “Cada bago de uva sabe de cor / o nome de todos os dias do Verão”... ou ainda “Chove, é o deserto, o lume apagado, / que fazer destas mãos cúmplices do sol?”
Ou como Sophia “As ondas quebraram uma a uma / Eu estava só com a areia e com a espuma / Do mar que cantava só para mim.”
A mulher que, numa reflexão sobre a sua condição de poetisa, diz “Quem como eu em silêncio tece / Bailados, jardins e harmonias? / Quem como eu se perde e se dispersa / Nas coisas e nos dias?” ou ainda, quando pensando na morte, escreve “Quando eu morrer voltarei para buscar / Os instantes que não vivi junto do mar”, o mar cujo impacto transparece em toda a sua obra.
A poetisa, em alguns textos sobre a Arte Poética, dá o seu testemunho de vida, da forma como ainda criança (tão nova que pensava que os poemas não eram escritos por pessoas) começou a ter sensibilidade para a poesia, porque antes de saber escrever já ouvia e recitava de cor poemas como a Nau Catrineta.
E como a preparação e a sensibilização das gerações futuras está nas mãos das que as antecedem, o testemunho de Sophia teve grande impacto em Miguel Sousa Tavares que, como “filho de peixe...”, escreve textos com uma simplicidade e com uma profundidade impressionantes. Ao lê-los quase sentimos as texturas, os cheiros... quase escutamos os sons... ou o silêncio...
Aprendamos com o seu exemplo! Fomentemos cada vez mais naqueles que se nos seguirão o prazer da leitura, o prazer da escrita, o saber ouvir...
Assim crescerão mais enriquecidos, com maior sensibilidade, olharão melhor o “outro” e o mundo que os rodeia.
Por isso gostaria de ser como os poetas...
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