março 17, 2006

Gostaria de ser como os poetas...

Éfeso, Agosto 2001


São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

Eugénio de Andrade


A leitura foi o meu primeiro hobbie.
Assim que aprendi a ler, fiquei fascinada pelo mundo que, através da leitura, ante mim se abria.
Adorava que me oferecessem livros e sempre que me davam dinheiro ia logo gastá-lo em livros.
Muitos foram os dias de férias em que fiquei em casa embrenhada na leitura.
Com o passar dos anos ao olhar para as prateleiras repletas com os meus livros, sentia-me rica.
A escrita foi das mais revolucionárias descobertas da Humanidade e os livros são dos mais importantes legados que uma geração pode deixar para as que se lhe seguem.
É por isso que se considera que a “História Começa na Suméria”, o povo cujos testemunhos escritos são, até hoje, os mais antigos de que há conhecimento; na verdade os sumérios legaram-nos a escrita cuneiforme, e através dela a possibilidade de melhor conhecermos e entendermos a sua civilização.
E se a escrita foi, com toda a certeza, criada por necessidade depressa terá sido aproveitada para dar voz às emoções, às aspirações e aos sonhos mais profundos de muitos escritores e poetas...
Para mim a leitura sempre foi uma forma de descontracção e, gradualmente, de enriquecimento.
Sempre li mais prosa do que poesia, apesar de haver alguns poetas por quem tenho grande admiração - Sophia de Mello Breyner Andresen e Eugénio de Andrade. A sua poesia fascina-me e faz-me sofrer... Que privilégio saber dizer tanto com, por vezes, tão poucas palavras.
O reino da palavra é um reino encantado e conseguir, através da poesia ou da prosa poética, comunicar tudo o que sentimos, o que pensamos, o que apreendemos da realidade é algo especial e não privilégio de todos...
Hoje em dia existem imensas pessoas a escrever prosa e poesia mas os verdadeiros escritores e poetas são uma minoria!
Nem todos conseguem com a simplicidade Eugénio de Andrade dizer algo de tão profundo como “Com Palavras Amo” ou “Cada bago de uva sabe de cor / o nome de todos os dias do Verão”... ou ainda “Chove, é o deserto, o lume apagado, / que fazer destas mãos cúmplices do sol?”
Ou como Sophia “As ondas quebraram uma a uma / Eu estava só com a areia e com a espuma / Do mar que cantava só para mim.”
A mulher que, numa reflexão sobre a sua condição de poetisa, diz “Quem como eu em silêncio tece / Bailados, jardins e harmonias? / Quem como eu se perde e se dispersa / Nas coisas e nos dias?” ou ainda, quando pensando na morte, escreve “Quando eu morrer voltarei para buscar / Os instantes que não vivi junto do mar”, o mar cujo impacto transparece em toda a sua obra.
A poetisa, em alguns textos sobre a Arte Poética, dá o seu testemunho de vida, da forma como ainda criança (tão nova que pensava que os poemas não eram escritos por pessoas) começou a ter sensibilidade para a poesia, porque antes de saber escrever já ouvia e recitava de cor poemas como a Nau Catrineta.
E como a preparação e a sensibilização das gerações futuras está nas mãos das que as antecedem, o testemunho de Sophia teve grande impacto em Miguel Sousa Tavares que, como “filho de peixe...”, escreve textos com uma simplicidade e com uma profundidade impressionantes. Ao lê-los quase sentimos as texturas, os cheiros... quase escutamos os sons... ou o silêncio...
Aprendamos com o seu exemplo! Fomentemos cada vez mais naqueles que se nos seguirão o prazer da leitura, o prazer da escrita, o saber ouvir...
Assim crescerão mais enriquecidos, com maior sensibilidade, olharão melhor o “outro” e o mundo que os rodeia.
Por isso gostaria de ser como os poetas...

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